Durante
a madrugada fria e traiçoeira que me lembra seu calor, pensava em
escrever-te verdades que em momento algum ousei dizer olhando em teus
olhos. Quando passaste pela porta decididamente, provando-me que nada
eras além de algo que se foi mas não sei vai de dentro de mim,
escrevi. E o faço desde então.
“Aquela
garota forte e destemida que conheceste jamais existiu. Nada sou
além de uma pobre infeliz que acredita em qualquer conto de fadas
dito ao pé do ouvido numa noite de lua cheia.
Decidi
em uma dessas noites, em que a gente deita pra dormir com as costas
doendo de cansaço, mas comete o terrível erro de analisar o dia,
depois a semana, depois as partidas e a vida - acreditando que era o
caos em sua essência mais pura -, que foi a lua que me fez
querer-te. Havia algo mágico naquele luar banhando teu rosto,
naqueles dedos entrelaçados e nas promessas que fizeste. Ah,
recordo-me bem, chamou-me de “meu anjo” e desde então senti
realmente ser como um, visitando as nuvens num piscar de olhos. E
seus olhos que miravam cada pedaço de mim como se tivessem sido
criados apenas para admirar meu rosto corado. Lua cheia, cruel lua
cheia. De tantos lugares para brilhar, havia de escolher justo suas
feições de moço feito pra mim? Todas as noites, deitada na cama,
deixo uma fresta da janela aberta para que a lua entre e peça-me
perdão, mas ela não o faz. A lua não faz nada além de iluminar o
suficiente para que recorde de tua mão tocando a minha. De todos os
gestos, afagos e corpos colados, o que mais causa-me euforia foi seu
aperto de mão no pôr-do-sol. Sentia-me tola, sozinha, prestes à
entrar em uma ilusão.
Sem
pressa, tocou minha mão e ali deixou a sua, acariciando parte de
mim até então adormecida. Foi mágico sentir, em apenas um roçar
de dedos, certezas de uma vida inteira. Naquela cena inocente,
soube. Sabes o que soube, porque creio que soubesses também. Jamais
disseste - ao menos, não naquele dia - mas até mesmo as crianças
que aproveitavam seus últimos momentos felizes na praia antes do
anoitecer enxergavam: Eis ali uma menina
apaixonada. Você e a lua, unidos e matreiros que são, fizeram-me
nada mais do que uma menina. O que dizias era lei. O que não
dizias, tortura. Injusto era esse amor, com toda a certeza!
Se
pudesse, o tiraria de dentro de meu peito e o expulsaria de mim
junto de tuas recordações com a lua. Mas não poderia. Não com
tanta esperança que ele me entrega de bom grado. Esperava todos os
jantares com a mesa posta para dois, tua chegada. Andava pela rua
sorrindo para todos na esperança de encontrar-te na multidão. Como
é possível amar ser agonia e ânsia ao mesmo tempo? Volte e
responda-me todas as perguntas. Se quiser, não responda-me nada.
Apenas volte”.
Bobagem,
dizia ao amanhecer relendo meu rascunho, quando o encanto escondia-se
debaixo dos móveis. Eu só precisava virar garganta
abaixo alguns goles de uma bebida forte o suficiente capaz de me
fazer esquecer por alguns segundos enquanto sinto a garganta
queimar. E lá vou em mais um dia de descaso, esperando a lua
revelar novamente a saudade.