quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Durante a madrugada fria e traiçoeira que me lembra seu calor, pensava em escrever-te verdades que em momento algum ousei dizer olhando em teus olhos. Quando passaste pela porta decididamente, provando-me que nada eras além de algo que se foi mas não sei vai de dentro de mim, escrevi. E o faço desde então.
Aquela garota forte e destemida que conheceste jamais existiu. Nada sou além de uma pobre infeliz que acredita em qualquer conto de fadas dito ao pé do ouvido numa noite de lua cheia. 

Decidi em uma dessas noites, em que a gente deita pra dormir com as costas doendo de cansaço, mas comete o terrível erro de analisar o dia, depois a semana, depois as partidas e a vida - acreditando que era o caos em sua essência mais pura -, que foi a lua que me fez querer-te. Havia algo mágico naquele luar banhando teu rosto, naqueles dedos entrelaçados e nas promessas que fizeste. Ah, recordo-me bem, chamou-me de “meu anjo” e desde então senti realmente ser como um, visitando as nuvens num piscar de olhos. E seus olhos que miravam cada pedaço de mim como se tivessem sido criados apenas para admirar meu rosto corado. Lua cheia, cruel lua cheia. De tantos lugares para brilhar, havia de escolher justo suas feições de moço feito pra mim? Todas as noites, deitada na cama, deixo uma fresta da janela aberta para que a lua entre e peça-me perdão, mas ela não o faz. A lua não faz nada além de iluminar o suficiente para que recorde de tua mão tocando a minha. De todos os gestos, afagos e corpos colados, o que mais causa-me euforia foi seu aperto de mão no pôr-do-sol. Sentia-me tola, sozinha, prestes à entrar em uma ilusão. 

Queria que alguém, seja lá quem fosse, apertasse minha mão daquele jeito que os dedos dizem estou-aqui-com-você. 
E você o fez. 
Sem pressa, tocou minha mão e ali deixou a sua, acariciando parte de mim até então adormecida. Foi mágico sentir, em apenas um roçar de dedos, certezas de uma vida inteira. Naquela cena inocente, soube. Sabes o que soube, porque creio que soubesses também. Jamais disseste - ao menos, não naquele dia - mas até mesmo as crianças que aproveitavam seus últimos momentos felizes na praia antes do anoitecer enxergavam: Eis ali uma menina apaixonada. Você e a lua, unidos e matreiros que são, fizeram-me nada mais do que uma menina. O que dizias era lei. O que não dizias, tortura. Injusto era esse amor, com toda a certeza! 

Se pudesse, o tiraria de dentro de meu peito e o expulsaria de mim junto de tuas recordações com a lua. Mas não poderia. Não com tanta esperança que ele me entrega de bom grado. Esperava todos os jantares com a mesa posta para dois, tua chegada. Andava pela rua sorrindo para todos na esperança de encontrar-te na multidão. Como é possível amar ser agonia e ânsia ao mesmo tempo? Volte e responda-me todas as perguntas. Se quiser, não responda-me nada. Apenas volte”.

Bobagem, dizia ao amanhecer relendo meu rascunho, quando o encanto escondia-se debaixo dos móveis. Eu só precisava virar garganta abaixo alguns goles de uma bebida forte o suficiente capaz de me fazer esquecer por alguns segundos enquanto sinto a garganta queimar. E lá vou em mais um dia de descaso, esperando a lua revelar novamente a saudade. 

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Wolf




Ele dorme ao meu lado. Mesmo assim, sei que estou só. Eu e algo incômodo, que há tempo me perturba, me preocupa, me desconcerta. Mas, não quero pensar nisso agora... Aqui estamos depois de uma transa. Nem dá para acreditar! Foi intenso! Quase perfeito! E isso me assusta. Delícia e culpa. Ele dorme tranquilamente. O quarto de hotel– esconderijo improvisado – está em silêncio.
Lá fora, o barulho do mar.

Acaricio de leve seus braços. Não quero que acorde. Embora eu tenha tanto para falar. Mas, não teria coragem. Não depois desta noite. Quem diria, nós dois? Lembro quando nos conhecemos. Chegou num fim de noite ao meu lado e me pediu um cigarro. O dia tinha sido difícil. Trocamos algumas palavras, alguns sorrisos e olhares. Que jeito de falar! Logo pensei cá comigo: - uma voz dessas no meu ouvido faria um estrago. E não me enganei.

Dias depois ele voltou. E na outra noite, mais outra. Falamos da vida, ideais, planos, família... E trocávamos e-mails. Telefonava. Depois sumia por vários dias... E eu continuava lá, esperando.

Agora, aqui estamos neste quarto. Preciso de um cigarro. Ou preciso falar. Que mania que tenho de falar, falar, falar quando algo não vai bem.
Deve ser para chamar a atenção. Sou dessas pessoas fáceis de serem esquecidas... E ele tão importante! Tem tanta coisa que eu queria falar para ele. Da minha vida. Dos livros que estou lendo. Daquela poesia que queria ter escrito. Da minha infância. Do meu cachorro. Dos meus enganos. Das minhas inquietudes. E agora tem essa coisa que começou a doer dentro de mim. E eu não sei o que é.
Estranha essa mistura de prazer e dor.

Melhor não. Seria mais fácil acreditar que foi só uma aventura? Bem que eu gostaria de ser menos complicada. Ser feliz, sem pensar, somente sentir. Mas não dá. Não é bem assim. Não com nós dois. Cada um tem sua vida lá fora. Somos diferentes.

Ele vira de lado e segue dormindo. Ele não me conhece por inteira, mesmo que tenha transado comigo. Nem percebeu meu coração, ou talvez tenha e eu não consegui perceber. Ele é tão difícil de decifrar.

Já não consigo ficar deitada. Que dor estranha é essa, aqui dentro? Quem sabe o que isso quer dizer. Melhor ir.

Silenciosamente, visto minhas roupas. Com o sapato e o coração nas mãos, olho para ele mais uma vez. Apago a luz. Devagar fecho a porta e saio para a rua. Logo vai amanhecer. As ondas vão e vêm. E essa dor que não se acalma!